segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Um olhar sobre a poética de Maria Ângela Alvim



Isabelle Akemi Diniz Tanji UEMS/CNPq
Danglei de Castro Pereira UEMS/UUCG
RESUMO
O artigo aborda a poética Maria Ângela Alvim no contexto da publicação de seus livros e, ao mesmo tempo, comenta aspectos relevantes em sua produção. Nossa preocupação central foi discutir a poética de Alvim e sua relação com valores estéticos de seu tempo e, nesse percurso, discutir particularidades de sua obra.
Palavras-chave: revisão do cânone, poesia modernista, Maria Ângela Alvin

ABSTRACT
The article approaches poetic Maria Ângela Alvim in the context of the publication of its books and, at the same time, it comments important aspects in its production. Our central concern went discuss to poetic of Alvim and its relationship with aesthetic values of its time and, in that course, to discuss particularities of its work.
keys-words: revision of the canon, modernist poetry, Maria Ângela Alvin

INTRODUÇÃO[1]
Pretendemos neste trabalho discutir a importância de revisitar o cânone literário e, mais especificamente, apresentar a obra de Maria Ângela Alvim. Ao compreender que o percurso canônico, muitas vezes, produz o enquadramento de obras literárias ao conjunto de regras preestabelecidas pelos compêndios literários, a investigação aqui apresentada entra em consonância com a proposta de valorização intrínseca da diversidade de obras dentro da tradição, elemento central dos estudos revisionistas do cânone literário linha teórica a qual esta pesquisa é vinculada.
O principal aspecto metodológico envolvido na pesquisa consiste em abordar a obra de Maria Ângela Alvim, apresentar algumas reflexões sobre a recepção de sua poesia e, por fim, comentar aspectos de sua obra dentro da poesia brasileira. Nesta postura apresentaremos uma discussão critica de alguns poemas de Maria Ângela Alvim, retirados da obra Superfícies único livro publicado em vida pela autora em 1956.
Cabe lembrar, que não pretendemos colocar a autora em discussão em posição de destaque dentro do cânone literário e do Modernismo brasileiro, antes discutir a recepção de sua obra e, neste contexto, apontar para algumas particularidades de sua poesia em um contexto tão rico como foi o da poesia brasileira do século XX.

Vida e Obra de Maria Ângela Alvim

Maria Ângela da Costa Cruz Alvim, nasceu no primeiro dia de janeiro de 1926, na fazenda de Pouso Alegre, Volta Grande, Zona da Mata, Minas Gerais. Filha mais velha de Fausto Figueira Soares Alvim e de Mercedes Costa Cruz Alvim, teve quatro irmãos, Mauricio da Costa Cruz Alvim, Maria Lucia Alvim, Francisco Soares Alvim Neto e Fausto Alvim Junior. Formada pela Universidade Federal de Minas Gerais, na primeira turma de do curso de Assistência Social, foi uma pessoa ligada às dificuldades sócio-econômicas da cidade de Belo Horizonte no inicio do processo de transformação da cidade provinciana em uma metrópole. Em um período de grandes transformações sócio/econômicas Alvim manteve um forte envolvimento com temas sociais e as dificuldades enfrentadas pelos menos favorecidos. Deste envolvimento surge um sentido de incompreensão do mundo, agravado pelo estado de inoperância vivido pelo homem após a eclosão da Grande Guerra Mundial. O sentido de não pertencimento e situação fragmentária do homem pós-guerra surge uma temática recorrente em sua poesia.
Maria Ângela Alvim faleceu em 19 de Outubro de 1959 de uma doença nervosa. Seu livro de estréia foi Superfície publicado em 1956, sendo um dos trabalhos mais conhecidos da autora. Postumamente foram publicados: Barca do Tempo (1950-1955), Poemas (1962), Outros Poemas, Poemas de Agosto (2000) e Carta a um cortador de linho (2000). Ela também teve alguns de seus poemas publicados no livro “Os cem melhores poemas brasileiros do século” (2001).
O acesso do público leitor a sua obra é bem restrito. Um dos motivos do distanciamento é a dificuldade de aquisição dos textos, em sua maioria, publicados em tiragem bem reduzida e de difícil localização. Uma ação importante para minimizar o desconhecimento do público face à obra de Alvim foi a publicação em 1993, pelas mãos de Francisco Alvim, poeta e irmão de Maria Ângela, do livro Poemas que reúne a obra completa da poeta.

Recepção de Maria Ângela Alvim
A obra da autora teve no mento de sua publicação uma boa recepção critica recebendo, inclusive, elogios de Carlos Drummond de Andrade. Depois de sua morte, aconteceu com Maria Ângela o que acontece com muitos poetas, caiu no esquecimento. Como nosso objetivo é comentar a poesia de Maria Ângela Alvim e, posteriormente, tecer comentários sobre algumas das particularidades de sua obra poética procederemos a um breve resumo dos textos críticos publicados sobre a poeta, estes ainda bem reduzidos.
O primeiro texto crítico sobre a obra de Maria Ângela Alvim são os comentários de Carlos Drummond de Andrade e Alexandre Eulálio quando da publicação de Superficies. Drummond (1993), mesmo apontando defeitos no imantes a poesia de Alvim, comenta em sua poesia
uma presença nova e marcante entre os poetas que surgem, e a qualidade especial de uma natureza poética extremamente fina, que sabe selecionar os aspectos da realidade interior e nos oferecer, com sóbria dicção, o resultado da realidade interior e nos oferecer, com sóbria dicção, o resultado último da experiência lírica (DRUMMOND, 1993, p.142)
Nas palavras do poeta mineiro identificamos aspectos importantes para a avaliação da poesia de Maria Ângela Alvim. Um deles é a temática intimista da poeta, o segundo a concisão de sua forma de expressão. De fato a poesia de Maria Ângela é feita por um verso rápido que à forma do haicai japonês filtra a realidade em busca da emoção singular do momento. O mesmo percurso avaliativo podemos identificar em  Alexandre Eulálio (1980) para quem Alvim pratica o exercício do verso e a “agilidade da expressão” ao filtrar o singular e o individual em um universo agressivo como o é a sociedade brasileira ao final dos ano 40 do século XX.

Um olhar sobre Maria Ângela Alvim
Maria Ângela utiliza um verso cromático de forte implicação emotiva, fato que induz a um velocidade rítmica avessa ao contato imediato com a temática concreta do cotidiano. A carência de referentes concretos dá a Alvim uma de suas principais características: a emotividade e a sensibilidade da palavra, modeladas por um sentido sinestésico. Este recurso propõe uma analogia entre som e imagem colaborando para aproximar a poesia de Alvim ao sentido de contiguidade entre o estado de alma do poeta e as poucas referências ao real perceptíveis em sua obra. 
         Percebe-se em sua obra um sentido profundo de tristeza e melancolia em muito presente na poesia da década de 40. Esta melancolia diante do homem e do mundo é uma tônica em seus poemas, fato que representa o desconforto do sujeito no pós-guerra. Um de seus poemas é dedicado à morte dos soldados nos campos de batalha e a compreensão da precariedade da sociedade após a Segunda Grande Guerra.
De tudo me afastei, por não querença
De tudo me afastei, por não querença
ou medo de demais querer a tudo
e de fixar em ócio e inexistência
o móbil ser ideal com que me iludo.

E de tudo herdei minha inocência,
este sentido de não ser, agudo,
vivo mistério e tão mortal ciência
que me aprendeu a ouvir o verso mudo.

A vida não vivi, - hora distante
que nunca se deteve em meu caminho
A imagem vista em ver era bastante.

Mas, se não sei nem mesmo o que devoro,
e me consome a mim, e é sozinho
suor de aurora, poesia, eu fui teu poro.

Neste poema o eu lírico parece impotente diante da vida e das coisas do mundo. Seu filtro é a passagem inerte diante do tempo e a constatação de que na poesia encontra um espaço para a reflexão e o refúgio deste mundo agressor. A poesia é ao mesmo tempo herança e mistério para a compreensão da realidade. Uma posição mais observadora do que realmente vivida o que lhe vale a sensação de vazio, de falta de valor na vida além de matéria de poesia.
Entretanto uma das saídas para este mal estar é a arte, a poesia. Ao produzir este afastamento de forma consciente “De tudo me afastei, por não querença” o eu-lírico valida a transmutação do real imediato em matéria poética e, neste percurso, reorganiza a realidade imediata em matéria poética ao pensar-se como poro, como uma voz silenciosa da angústia da vida.

Inteira me deixo aqui,
inteira, posto que ausente,
- neste corpo que nasci
fez-me a vida ou minha mente?

De ninguém sobrevivi
Ah vida, me fiz consciente,
mestiça de mim, de ti
em morte - quase semente.

E em terra desejo estar
e sempre, enquanto me alerto
nas vozes de vento e mar.

Sem jamais me resolver
a conter-me num deserto
ou saciar-me de morrer.

Neste poema reaparece a busca pelo silêncio do espaço exterior. O silêncio passa a algoz do eu-lírico e a morte física é sublimada pela produção da poesia. É neste mundo de criação que encontramos a metalinguagem como tema recorrente na obra de Alvim. Sua poesia fala no apagamento do real  dentro do processo angustiante da construção poética.
É desta dúvida ou duplicidade que advém a ânsia pelo verso intimista e a aparente abstração do real em sua poesia. A “quase semente” e a presença de “vozes de vento e mar” indicam a busca pelo poético como refugio para o poeta.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Feitos estes comentários, mesmo que superficiais, sobre a poesia de Maria Ângela Alvim pensamos em um poeta que construiu uma obra enigmática. Seu verso intimista e a velocidade de suas imagens são representações de um talento em processo.
Ficam evidentes pontos positivos como a concisão do verso e o cromatismo, porém o estudo direto da poesia de Alvim deve passar pela percepção de uma poesia em muito marcada por um tom altamente lírico, que não prejudica seu verso e aponta para sua relevância enquanto poeta modernista, uma vez que uma das marcas indeléveis do Modernismo é a heterogeneidade.

Referências Bibliográficas
ALVIM, M. A. Superfícies. São Paulo: Record, 1956.
BLOOM, Harold. O cânone ocidental: os livros e a escola do tempo. Tradução Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.
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CANDIDO, A. Formação da literatura brasileira. 3.ed. São Paulo: Cultrix, 2000. v. II.
CANDIDO, A. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. 4.ed. São Paulo: Editora Nacional, 1975.
EULÁLIO, A. Notícias literárias. Minas Gerais, 8 de abril de 1980.
FRANCHETTI, P. O cânone em língua portuguesa. Revista Voz lusíada, N 18, 2 semestre de 2002. São Paulo, p. 56-68.
KOTHE, F. O cânone colonial. Brasília: EUNB, 1999.
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PAZ, Octavio. Os filhos do barro: do romantismo à vanguarda. Tradução de Olga Savary. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 1984.
ROSENFELD, A. Texto/contexto I. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1976.
SAID, E. Culture et imperialisme. Paris: Fayard, 2000.


[1] O trabalho é resultado de uma pesquisa em nível de iniciação científica desenvolvida pela acadêmica Isabelle Akemi Diniz Tanji, com apoio do CNPq, na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Unidade Universitária de Campo Grande, sob orientação do Prof. Danglei de Castro Pereira, no período de agosto de 2009 a agosto de 2010.

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