segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

CAPÍTULO 1 (Dissertação de mestrado)


Por Antonio Luceni
  
1. A obra poética de Maria Ângela Alvim: fortuna crítica e caminhos percorridos.

Todo e qualquer trabalho de pesquisa, até por sua natureza investigativa, mostra-se como algo desafiador e importante, visto que, por meio dele, hipóteses são comprovadas, ampliadas, refutadas ou diluídas, conforme afirmam Marconi e Lakatos:

A pesquisa pode ser considerada um procedimento formal com método de pensamento reflexivo que requer um tratamento científico e se constitui no caminho para se conhecer a realidade ou para descobrir verdades parciais. Significa muito mais do que apenas procurar a verdade: é encontrar respostas para questões propostas, utilizando métodos científicos. (MARCONI, 2001, p.43)


É, muitas vezes, por meio da pesquisa in loco que oportunidades são geradas e/ou otimizadas. No caso de pesquisa sobre escritores falecidos e/ou com poucas informações, documentos, livros etc. à disposição do público, o contato com familiares, amigos, editores, estudiosos das Letras, entre outros contatos, mostram-se ainda mais relevante.
Em razão disso e, principalmente, pela escassez de materiais no meio eletrônico (internet) e livrarias é que se partiu para a pesquisa de campo sobre a poeta Maria Ângela Alvim.
A publicação mais conhecida e difundida no Brasil – que traz apenas um poema da poeta  (Há uma rosa caída)  –  é  Os  cem  melhores poemas brasileiros do século1, organizado por Ítalo Moriconi, Editora Objetiva.
Uma outra publicação, também conhecida, mas menos difundida, foi organizada e publicada pela Editora da Unicamp em 1993, intitulada Poemas2. Nela, estão contidos Superfície – único livro de Maria Ângela Alvim publicado em vida –, além de outros textos (poemas e um conto) publicados postumamente.
A partir de informações contidas na ficha catalográfica, orelha e prefácio da publicação da Unicamp foram recolhidos alguns dados (lugares por onde a poeta passou, nasceu, viveu, trabalhou e faleceu, instituições nas quais Maria Ângela Alvim trabalhou como  Assistente Social e pessoas com as quais se relacionou) que nortearam o mapeamento da pesquisa.
Mas a que outras fontes poderíamos recorrer quando do trabalho investigativo sobre Maria Ângela Alvim? Quais outros materiais existentes (se há de fato) para melhor apreciação, compreensão e percepção do trabalho desta importante e desconhecida poeta? Quais outros elementos podem ser agregados ao trabalho de análise e fortuna crítica sobre a obra de tal escritora? A produção de Maria Ângela Alvim limitou-se às fronteiras mineiras, brasileiras? Em caso negativo, quais outros meios (estados, países etc.) tiveram (e como isso aconteceu?) contato com a produção da poeta?
Estas e outras questões serviram como elementos impulsionadores e motivadores para que o encaminhamento, realização e efetivação do trabalho de pesquisa de campo acontecesse e adquirisse a relevância que tem para esta dissertação.

1.1. As primeiras tentativas de reunir material para fortuna crítica sobre Maria Ângela Alvim por meio eletrônico.

Pela facilidade e acessibilidade favorecidas pelos meios eletrônicos, além do contato com a obra de Maria Ângela Alvim publicada pela Unicamp, a primeira tentativa de reunir artigos, dissertações e teses, pesquisas de modo geral, fotografias etc. sobre/de Maria Ângela Alvim aconteceu via internet. Para isto, foram utilizados verbetes em sítios eletrônicos de busca (Google, Alta Vista, Cadê, Plataforma Lattes etc.) que tinham relação direta com a poeta, tais como: Maria Ângela Alvim, Ângela Alvim, Alvim, Superfície, Poemas de Agosto, Poèmes  d’aôut – anthologie poétique, Francisco Alvim, Maria Lúcia Alvim, entre outros.
O fato é que, na sua maioria e, principalmente no Google, são relacionados alguns sítios ligados à literatura e poesia, sobretudo no Brasil, que trazem um ou outro poema – em geral do livro Superfície, com poucas ou nenhuma informação biobibliográfica da poeta.
Estas tentativas de busca de informações sobre Maria Ângela Alvim na internet ocorreram mesmo antes da pesquisa de campo, desde que a poeta foi apresentada como objeto de pesquisa ao programa de Mestrado da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e se estendeu até o momento de conclusão desta dissertação.
Outras tentativas via internet ocorreram a fim de recolher dados, elementos, informações sobre a poeta, entre as quais com Ítalo Moriconi, organizador da antologia da Editora Objetiva; Francisco Alvim e Maria Lúcia Alvim, irmãos da poeta; os organizadores da publicação de Maria Ângela Alvim pela Unicamp: Berta Waldman, Yumna Maria Simon e Vilma Sant’Anna Arêas e Eduardo Guimarães (diretor da Editora na ocasião da publicação), o editor da Editora Assírio & Alvim, responsável pela publicação de Maria Ângela Alvim em Portugal, além de (ex)professores de Universidades ligadas à história da poeta, tais como Unicamp e UFMG.
Destas tentativas via e-mail, foram frutíferos os contatos com a professora Vilma Sant’Anna Arêas, uma das organizadoras de Poemas pela Unicamp, que além de conceder entrevista para pesquisa, forneceu telefone de contato com Francisco Alvim – na ocasião (abril de 2007) recém chegado ao Brasil, e, a partir daí, desencadeou entrevistas com o irmão e irmã de Maria Ângela Alvim, mais detalhadas posteriormente.
Algo importante, também obtido via internet, foi o exemplar de Superfície – toda poesia3, edição portuguesa da obra de Maria Ângela Alvim pela editora Assírio & Alvim. Apesar de ter entrado em contato com o sítio desde as primeiras tentativas de busca de informações sobre a poeta, somente em maio de 2007 é que se conseguiu realizar a compra do exemplar, já que a referida página na internet não estava em funcionamento antes desta data para pedidos de livros e, após reformulação da home page da editora foi possível a aquisição do exemplar. Semelhantemente ao exemplar brasileiro – editora Unicamp, o exemplar português traz os mesmos textos, na mesma seqüência apresentada pela edição brasileira,  acrescentando ao trabalho de fortuna crítica somente a Apresentação do livro e Notas biobliográficas, de Max de Carvalho, um dos responsáveis pela publicação em Portugal.
Com relação à parte iconográfica sobre Maria Ângela Alvim (fotografias da poeta e família, capas de obras etc.) os materiais são escassos, na sua maioria somente imagens contidas nas capas das publicações brasileira e portuguesa, o que, de fato, não diz muito sobre a poeta por serem imagens pouco definidas, até mal tiradas, principalmente na sua idade adulta, lacuna esta que foi preenchida posteriormente, quando do contato com Maria Lúcia Alvim, que autorizou registro de arquivo da família, por meio de câmera fotográfica digital.
Afora estes elementos, a internet serviu apenas ao trabalho de pesquisa como meio de  comunicação  entre  o pesquisador, seu orientador  e  a professora Vilma Sant’Anna Arêas e, em menor escala, com o irmão da poeta, Francisco  Alvim. Visto que a maior parte das informações recolhidas sobre Maria Ângela Avim ocorreu nas visitas in loco, na pesquisa de campo.

1.2. Mapeamento dos locais significativos no trabalho, vida e obra de Maria Ângela Alvim.

Conforme dito antes, a partir de dados recolhidos, principalmente, na publicação da Unicamp e alguns outros colhidos pela internet, estabeleceu-se um mapa/roteiro de pesquisa que ficou assim estabelecido: Belo Horizonte/MG, cidade onde Maria Ângela Alvim viveu e publicou seu único livro em vida, Superfície, e encaminhou o seguinte, Barca do Tempo, de modo artesanal e, também, onde se relacionou com alguns nomes importantes da poesia brasileira, recebendo deles críticas, sugestões e discussão de idéias literárias, entre os quais, Carlos Drummond de Andrade.
Em Campinas/SP, especificamente na Universidade Estadual de Campinas: Biblioteca Central “César Lattes” e Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem – IEL.
As cidades de Volta Grande e Araxá, em Minas Gerais, locais de nascimento e vivência dos quinze primeiros anos da poeta foram descartados na pesquisa de campo pelo fato de não terem relevância quanto ao que o trabalho se propunha, ou seja, levantamento de fortuna crítica, já que no período em que Maria Ângela Alvim morou nelas não produziu literariamente. Apesar de que o encontro com Maria Lúcia Alvim aconteceu na cidade natal da poeta, isto é, Volta Grande/MG.

1.2.1. A Pesquisa de Campo em Belo Horizonte
  
A capital mineira foi um dos lugares de maior expressão no percurso biobibliográfico de Maria Ângela Alvim. Foi em Belo Horizonte que a poeta iniciou seu trabalho de produção literária, publicou e lançou seu primeiro livro (único, em vida), encaminhou a publicação do segundo (Barca do tempo), realizado de forma artesanal por freiras beneditinas, manteve grande parte dos seus contatos e influências literárias e intelectuais, entre os quais Carlos Drummond de Andrade, Jorge de Lima, Raul de Leone, entre outros. Por estes motivos, Belo Horizonte foi escolhida como ponto de partida de toda pesquisa de campo.
Em dezembro de 2006, inicia-se uma “peregrinação” na capital mineira que irá durar aproximadamente quinze dias. Foram elencados os pontos de interesse literário existentes na cidade e, em cada um deles, verificados dados e informações que pudessem contribuir com o trabalho de identificação e aglutinação de fortuna crítica existente sobre Maria Ângela Alvim. Entre os espaços visitados, valem ser citados:

1.2.1.1. Academia Mineira de Letras.
  
Pelo fato de Maria Ângela Alvim ter mantido certo intercâmbio e relação amistosa com poetas e intelectuais de sua época e, principalmente, pelo fato de escritores e poetas, intelectuais e personalidades mineiras comporem a referida Academia, pensamos em ser a Academia Mineira de Letras um importante espaço para quaisquer tipos de registros a respeito da poeta pesquisada ou mesmo outros membros de sua família e, a partir daí, um desdobramento positivo no que se refere a identificação de trabalho/produção de Ângela, o que não aconteceu. Ninguém da Academia Mineira de Letras, secretária e demais assistentes, souberam dizer quem era Maria Ângela Alvim ou identificaram exemplar de obra sua no acervo da referida Academia. No momento da visita a secretária informou que o mesmo estava passando por processo de informatização a fim de que o acesso, consultas e empréstimos fossem dinamizados e melhorados nos seus múltiplos aspectos, comprometendo-se, caso fosse localizado algum exemplar ou documento sobre os Alvim, informar o pesquisador. Entretanto não recebemos nenhuma devolutiva.
  
1.2.1.2. Arquivo Público Mineiro.
  
Este espaço público de pesquisa conta, principalmente, com documentos antigos, como os procurados sobre Maria Ângela Alvim (entre 1945 a 1959). São arquivados de forma bastante rudimentar. Procura-se o documento de interesse em pastas com índices remissivos e, uma vez identificado, solicita-se que o busque. O material serve apenas para ser lido, não podendo tirar fotocópia ou qualquer outro registro visual. Dos documentos pesquisados, somente consta uma carta de um Alvim qualquer solicitando pagamento de uma dívida qualquer também. Nada ligado à literatura ou que fizesse alusão à poeta.
  
1.2.1.3. Biblioteca Pública Estadual “Luiz de Bessa”.
  
As bibliotecas, evidentemente, foram alvo da pesquisa por diferentes razões, em especial as que mantinham acervos específicos de escritores mineiros, como a “Luiz de Bessa”, que conta com um Departamento denominado “Mineirianas”. No referido acervo é permitida somente consulta, com papel e lápis, sem possibilidade de fotocópia ou retirada de materiais. Depois de muita insistência e exposição dos objetivos da pesquisa, a diretora responsável pelo espaço, senhora Graça Maria Frogosa, autorizou registro visual com câmera digital, sem flash, dos materiais encontrados sobre Maria Ângela Alvim e seus irmãos, a saber: exemplar de Poemas, da poeta, 2ª edição, Editora Fontana (1980) e três exemplares de sua irmã, Maria Lúcia Alvim (XX Sonetos, Romanceiro de Dona Bêja e Pose).
  
1.2.1.4. Biblioteca Central da Universidade Federal de Minas Gerais e Biblioteca do Departamento de Letras/FALE/UFMG.
  
Além do fato de todas as bibliotecas de Belo Horizonte mostrarem-se em potencial foco de interesse na pesquisa sobre a poeta, os poucos exemplares encontrados de Maria Ângela Alvim e Maria Lúcia Alvim, sua irmã, na biblioteca estadual continham carimbo e assinatura de um certo professor Valmiki Villela Guimarães, do Departamento de Letras da UFMG. E, em todos os registros, datas de aquisições bem próximas das de lançamento dos exemplares dos poetas, o que direcionou a pesquisa ao referido Departamento de Letras.  A partir daí, descobriu-se que o professor Valmiki Villela Guimarães já estava aposentado, morando em Mariana/MG. Um dos funcionários forneceu o telefone de contato do professor, entretanto em nenhuma das tentativas as ligações foram atendidas. No Departamento de Letras da UFMG, não foi encontrado nenhum exemplar de Maria Ângela Alvim ou sua família. Em consulta ao acervo digital encontrou-se apenas um artigo do Suplemento Literário/MG (17/04/76) em que aparecem apreciações de Carlos Drummond de Andrade, Henriqueta Lisboa e Fausto Alvim Júnior, a respeito do trabalho do pai de Maria Ângela Alvim, Fausto Alvim. Posteriormente, por e-mail, em contato com o professor, Reinaldo Martiniano Marques, coordenador da pós-graduação UFMG, informou que desconhecia Maria Ângela Alvim e que, também, não havia nenhuma pesquisa realizada ou em andamento sobre a poeta na referida Universidade.

1.2.1.5. Jornal Correio de Minas.
  
Departamento de Gerência e Documentação a que o público tem acesso aos arquivos do jornal. As consultas são rudimentares, a partir de rolos fotofilmados de jornais antigos, que são acomodados em caixas datadas de dois em dois anos. Foram solicitados os rolos entre os anos de 1949 e 1952, períodos que precedem e sucedem (incluindo o lançamento) Superfície. Após exaustiva pesquisa, encontramos somente uma coluna comentando a saída do pai de Maria Ângela Alvim, Fausto Alvim, da presidência do Banco Hipotecário de Belo Horizonte. A pesquisa nesse espaço foi burocrática, rudimentar e pouco produtiva.
  
1.2.1.6. Centro de Memória do Sistema FIEMG/Gerência de Cultura/SESI.
  
Maria Ângela Alvim exerceu, por um tempo, a função de Assistente Social em Belo Horizonte, prestando serviço para o SESI e SENAC da referida cidade. Por isso, a busca de informações nesse espaço. A bibliotecária-chefe, senhora Gizele Maria dos Santos, identificou no acervo apenas um relatório datilografado sobre as atividades da poeta como Assistente Social, que pôde somente ser consultado/lido e fotografado com câmera digital.
  
1.2.1.7. Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais.
  
Logo na recepção do prédio pode-se observar a seguinte inscrição: “Espaço Cultural – Sala Fausto Alvim”. Uma sala pequena com também singela galeria de retratos a bico-de-pena, entre os quais o de Fausto Alvim, pai de Maria Ângela Alvim. Buscando mais informações sobre a personalidade que dá nome à sala, a Assessoria de Imprensa, por meio da senhora Selma, não soube informar quem era o homenageado, o porquê de ter dado nome à sala e nenhum histórico sobre o mesmo.
Em Belo Horizonte, estes foram, portanto, os principais lugares visitados e consultados a respeito de Maria Ângela Alvim e sua família, como forma de tentar, a partir de elementos levantados, traçar um perfil sobre a poeta ou mesmo encaminhar-se para outros lugares/espaços que pudessem agregar valor ao trabalho e ao objetivo da pesquisa, isto é, levantamento da fortuna crítica.
Como pode ser observado nos relatórios, os materiais recolhidos na pesquisa de campo de Belo Horizonte foram reduzidos, basicamente, ao exemplar de Poemas de Maria Ângela Alvim, Editora Fontana/MEC, no que diz respeito à fortuna crítica da poeta.
Isto posto, cabe-nos dizer que por tratar-se da terra natal da poeta e, sobretudo, pelo fato de Maria Ângela Alvim ter produzido, atuado e convivido com os mais diferentes intelectuais e profissionais de sua época os registros sobre sua atuação profissional e intelectual são bastantes parcos. Somado a isso, pelo menos três importantes instituições – Universidade Estadual de Minas Gerais – UEMG, Universiade Federal de Minas Gerais – UFMG e Pontifícia Universidade Católica – PUC/MG – deveriam contribuir com a pesquisa sobre tão importante poeta ou, ao menos, reunir materiais significativos para pesquisa em suas bibliotecas.

1.2.2. A pesquisa de campo em Campinas
  
O momento posterior à pesquisa de Belo Horizonte ocorreu em fevereiro de 2007, justamente na cidade de Campinas e, especificamente, na Universidade que demonstrou interesse não só pelo trabalho, mas também na publicação da obra de Maria Ângela Alvim, Unicamp.
  
1.2.2.1. A pesquisa de campo nas bibliotecas da Unicamp.
  
Por telefone já havíamos feito uma pré-pesquisa sobre exemplares existentes de Maria Ângela Alvim, além do da própria editora da Universidade. Por esse motivo, a visita ocorreu diretamente na Biblioteca Central “César Lattes” e na Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem/IEL. Nelas, foram encontrados alguns exemplares da obra da poeta e dos irmãos, Francisco Alvim e Maria Lúcia Alvim.
  
1.2.2.2. Biblioteca Central “César Lattes”.
  
Na Biblioteca Central “César Lattes,” os exemplares de Maria Ângela Alvim e demais  Alvim  estão inseridos em coleção específica de acervo raro, denominado “Coleções Especiais”. Constam os livros: a primeira edição de Superfície4, de 1950, pela Edições João Calazans; Poemas5, de 1962, Imprensa Nacional; Poemas6, de 1980,  Fontana;  a edição de Poemas da Unicamp, além de exemplares de Francisco Alvim e Maria Lúcia Alvim, irmãos da poeta.


 Diferentemente dos espaços em Belo Horizonte (bibliotecas, arquivos etc.), os materiais das bibliotecas da Unicamp puderam ser fotografados sem nenhum tipo de censura e, em alguns casos, as fotocópias foram permitidas. Desse modo, o exemplar da primeira edição de Superfície, encontrado somente na Biblioteca Central, pôde ser fotocopiado.
Os demais livros foram fotografados (capa e miolo) como registro do material e, caso necessário fosse, posterior impressão.
Os poemas analisados no terceiro capítulo desta dissertação terão por base esta primeira edição de Superfície.

1.2.2.3. Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem/IEL.
  
Na biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem/IEL, encontra-se somente a edição de Poemas da própria Unicamp, além de exemplares de obras dos irmãos da poeta.
Como pode ser observado, a visita à Unicamp mostrou-se tão ou mais significativa que a realizada em Belo Horizonte, entre outros motivos pela facilidade de acesso, manuseio e registro dos materiais pesquisados como também porque nela estão todas as edições da obra de Maria Ângela Alvim, da primeira (Edições João Calazans) à mais atual (Editora da Unicamp).
  
1.2.3. Brasília/DF: o encontro com o irmão da poeta, Francisco Alvim.
  
O fato de não se ter uma biografia ou algo próximo disso sobre a família Alvim, a tentativa de formar uma linha cronológica da vida e obra de Maria Ângela Alvim ocorreu durante todo o trabalho de levantamento de dados. Nomes, funções, nascimentos e óbitos, entre outras informações sobre a poeta e sua família foram elencados ao longo do trabalho. Entre os nomes importantes na relação com Maria Ângela Alvim, ainda vivos, estava o do irmão, e também poeta, Francisco Alvim.
Assim como Maria Ângela Alvim, Francisco Alvim foi selecionado como autor de um dos cem melhores poemas do século XX, por Ítalo Moriconi. Desde as primeiras tentativas de busca de informações sobre a poeta, foi tentado o contato com algum membro da família, principalmente com os irmãos. Por se constatar que Francisco Alvim se encontrava no exterior, como embaixador brasileiro na Costa Rica, foram feitas por e-mail várias tentativas de interlocução, todas sem sucesso. Somente a partir da intervenção da professora Vilma Sant’Anna Arêas, Unicamp, ocorreu o contato. Ela informou que Francisco Alvim recém chegara da Costa Rica – onde atuou por quinze anos como embaixador brasileiro – e se encontrava em Brasília/DF, passando-nos telefone e endereço dele.
A primeira comunicação com o irmão da poeta ocorreu em abril de 2007, por telefone, momento em que ele demonstrou profundo interesse em partilhar sobre o trabalho de Maria Ângela Alvim, colocando-se à disposição para o que fosse necessário no acréscimo à pesquisa.
Após demonstrarem-se objetivos e metas da entrevista, marcou-se dia, horário e local do encontro, ocorrido em 23 de junho de 2007, em Brasília, na residência de Francisco Alvim.
Tal como no primeiro contato, por telefone, o dialogo in loco foi igualmente amistoso. Antes de a entrevista acontecer, Francisco Alvim partilhou de alguns materiais tais como fotografias da irmã e da família, esculturas do pai, Fausto Alvim, pinturas e gravuras do filho, Pedro Alvim, além de mostrar alguns livros de poetas que se relacionaram com Maria Ângela Alvim ou que, de alguma forma, contribuíram e/ou influenciaram a poeta em seu trabalho, entre os quais Celina Ferreira, Arlinda Corrêa Lima e outros.
O momento da entrevista foi particularmente importante. Francisco Alvim, segundo suas próprias palavras, há muito não falava de modo tão compenetrado e profundo sobre a irmã, e, entre outras contribuições, disse ter revivido momentos importantes da sua própria vida e da poeta que, conforme afirmou, determinou sua trajetória como poeta também. Detalhes sobre relações de Maria Ângela Alvim com escritores e intelectuais da época, em Minas, preferências literárias da poeta, modos de produção, entre tantos outros  elementos foram extraídos desse encontro com Francisco Alvim.
Outro ponto importante que deve ser destacado nessa ocasião foi o contato com a crítica literária, esposa de Francisco Alvim, Clara de Andrade Alvim. É de Clara Alvim a orelha e comentário crítico de Poemas, Editora Fontana.

1.2.4. Volta Grande/MG: o encontro com Maria Lúcia Alvim, irmã da poeta.
  
O encontro com Maria Lúcia Alvim foi desdobramento da entrevista com Francisco Alvim que, particularmente, conversou com a irmã, expondo o motivo da pesquisa e, também, por meio dele conseguimos telefone e endereço da irmã que, após contatada, marcou o encontro para o mês de julho de 2007.
O final da pesquisa voltou-se para o começo de tudo: Volta Grande, lugar de nascimento e das raízes de Maria Ângela Alvim. Na cidade – bem característica das cidades interioranas mineiras, tivemos nosso primeiro contato pessoalmente. Assim como ocorrido com o irmão, procuramos ter, no primeiro dia, uma relação mais de proximidade, conhecimentos pessoais entre entrevistador e entrevistada, de modo a facilitar a fluência na entrevista e, até mesmo, recolher informações importantes a respeito da poeta e sua obra.
Maria Lúcia Alvim, pelo que se pôde observar, trata com muito respeito o trabalho da irmã, Maria Ângela Alvim. Em sua residência, mantém todos os exemplares da poeta, da primeira publicação até as mais atuais, incluindo as edições francesa e portuguesa, bem como publicações que trazem apenas um ou outro poema de Maria Ângela Alvim, além de uns poucos artigos/comentários sobre o trabalho da irmã publicados no Brasil e no exterior. E mais, não somente todas as edições são guardadas como também há vários exemplares da mesma edição. Por este motivo, doou alguns deles ao pesquisador, entre os quais edições que custaram muito para se ter acesso, tanto em Belo Horizonte quanto em Campinas, a saber: as edições de Poemas de 1962 (Imprensa Nacional) e de 1980 (Fontana).
Foram doados, ainda, um exemplar de Poesias7 de Fernando Pessoa, com anotações a punho em alguns versos, feitas por Ângela Alvim.
Na tentativa de demonstrar relações de leituras e poetas apreciados por Maria Ângela Alvim, a irmã dispôs e organizou os exemplares de obras da poeta outros livros correlacionados à sua produção. Este, entre outros atos, explicita um pouco da preocupação didática que Maria Lúcia Alvim tem em apresentar o trabalho da irmã, além do seu próprio trabalho e dos demais irmãos. Um espírito artista-escritora-organizadora.
Um outro material também peculiar e de grande valia sob posse da irmã da poeta é a edição artesanal de Barca do Tempo, já citada anteriormente, confeccionada por freiras de Belo Horizonte. Uma edição em capa dura, com inscrições na capa em folheação dourada, iluminuras nos versos iniciais de cada poema, escritos todos em letras góticas, à mão.
Com relação à parte iconográfica de Maria Ângela Alvim, escassa em materiais gráficos (livros e jornais) publicados sobre ela, de igual modo na internet, Maria Lúcia Alvim contribuiu, também, autorizando o registro, com câmera digital, de várias fotografias da irmã quando criança, adolescente e jovem.
Somado à colaboração descrita anteriormente, a entrevista concedida pela irmã da poeta pesquisada reitera pontos e elucida outros que ficaram meio nebulosos na entrevista com o irmão, Francisco Alvim. Principalmente pelo fato de Maria Lúcia Alvim ser mais velha que Francisco Alvim e, por essa razão, ter convivido mais com Maria Ângela Alvim, quando de sua fase mais produtiva como escritora.

1.2.5. A entrevista com Vilma Sant’Anna Arêas, professora da Unicamp e uma das coordenadoras da publicação de Maria Ângela Alvim pela editora da Universidade de Campinas.

Um outro momento da pesquisa de campo sobre Maria Ângela Alvim ocorreu a partir da tentativa de interlocução com os organizadores da obra da poeta pela Editora da Unicamp. Segundo consta nos créditos da publicação citada, as professoras Berta Waldman, Yumna Maria Simon e Vilma Sant’Anna Arêas compuseram a Assessoria Literária e Coordenação da publicação.
A partir desses nomes, buscou-se, via e-mail, contatá-los para uma possível entrevista a fim de extrair mais informações sobre o interesse da Editora em publicar a obra de Maria Ângela Alvim, critérios observados na seleção da poeta, intenções/objetivos almejados com tal publicação, entre outras indagações. Somado a isso, o contato, talvez, propiciasse novos desdobramentos como pessoas, obras, lugares...
Além das professoras citadas anteriormente, foi enviado e-mail ao professor Eduardo Guimarães, na ocasião da organização e lançamento do trabalho da poeta, Diretor da Editora da Unicamp.
Entretanto, as únicas que deram retorno foram as professoras Berta Waldman e Vilma Sant’Anna Arêas. A primeira disse não poder atender pois estava com compromissos acadêmicos no Brasil e no exterior que a impediam de parar o trabalho para fazer qualquer atendimento, desejando sucesso na pesquisa. A segunda desde o primeiro momento foi bastante solícita, colocando-se à disposição para colaborar com a pesquisa. O contato com Francisco Alvim foi viabilizado por meio dela que, ao saber do retorno dele ao Brasil, mandou-nos um e-mail com telefone e endereço do poeta para que pudéssemos nos comunicar.
Além de propiciar o contato com Francisco Alvim (e, por conseguinte, com Maria Lúcia Alvim), a professora Vilma Sant’Anna Arêas concedeu entrevista via e-mail comentando um pouco sobre as preocupações e pretensões da Editora da Unicamp quando da edição e lançamento de Poemas, de Maria Ângela Alvim.
De forma geral, Vilma Sant’Anna Arêas reitera o que os irmãos e, antes deles, os poetas e intelectuais de seu relacionamento, disseram em suas entrevistas e que pode ser constatado pelos os que se debruçarem na obra de Maria Ângela Alvim: a qualidade intrínseca à sua produção, a ineditez da sua obra, ainda pouco pesquisada e conhecida do público em geral, a inserção de Maria Ângela Alvim no cânone literário nacional, e a distinção que propõe entre literatura de qualidade e de quantidade que, segundo ela, é por vezes confundida no Brasil fazem da produção de Maria Ângela Alvim algo passível de muitos trabalhos acadêmicos, muitas investigações científicas. Como bem se observa:

“Não se pode catalogar escritores como maçãs ou qualquer outro produto simples. Basta lermos as “Notícias literárias” assinadas por Drummond ou “Um Estudo”, de Alexandre Eulálio (publicados ambos no volume da Unicamp) para compreendermos o sentido de sua poesia. A importância, claro, qualquer leitor de sua obra perceberá, ao ler apenas o primeiro poema de Superfície: ‘Meus olhos dão telas d´água/ não ferem a perfeição.’

Isto é fácil de entender? Parece fácil, mas tente explicar. A receita é a seguinte: simplicidade que é o avesso da facilidade: no jogo silencioso do ritmo, irregular sem alarde (7/6) e no acerto direto da interpretação do que seja a poesia, (porque é um poema-ensaio), além de ser uma maneira de olhar para tornar visível o visível. Não é isso que faz a metáfora? O visível está aí mas ninguém vê, porque confia na rotina e na ideologia do momento. É preciso tornar o visível, isto é, o que pode ser visto, visível, isto é, realmente visto ou alcançável... pela inteligência, parceira do talento. Mas sem a primeira, não há literatura.”.

Como pode ser observado no percurso desenvolvido por meio da pesquisa de campo, o trabalho de Maria Ângela Alvim é um trabalho ainda muito restrito no que diz respeito à sua divulgação e acesso para o público em geral.
Trabalhos realizados referentes à crítica literária ou mesmo didáticos ainda são parcos ou até mesmo nenhum. O acesso às edições mais antigas da poeta é restrito, conforme pôde ser visto, e burocratizado, por vezes limitando o trabalho do pesquisador.
Não fosse a possibilidade de acesso à família, muitos detalhes se perderiam através dos tempos, sobretudo os ligados a relacionamentos, influências, iconografia, entre outros detalhes importantes para localização do leitor no tempo e no espaço e, num nível mais incipiente, para uma aproximação mais “afetiva” entre leitor e a poeta.
No Brasil, a publicação mais conhecida e difundida, como dito antes, é a da Editora da Unicamp e, a rigor, comercializada somente na própria Universidade ou na home page da própria Editora. Deste modo, os leitores quase não têm acesso ao trabalho da poeta por outros meios (sítios eletrônicos mais populares/difundidos, grandes redes de livrarias, inserções de seus poemas em livros didáticos, e assim por diante).       

1.3. Percurso bibliográfico de Maria Ângela Alvim.

Maria Ângela da Costa Cruz Alvim nasceu no dia 1º de janeiro de 1926, na fazenda de Pouso Alegre, município de Volta Grande, Zona da Mata, Minas Gerais. Filha de Fausto Figueira Soares Alvim e de Mercedes Costa Cruz Alvim, teve quatro irmãos: Maurício da Costa Cruz Alvim, Maria Lúcia Alvim, Francisco Soares Alvim Neto e Fausto Alvim Júnior, este último, já falecido.
Segundo a família, desde cedo mostra-se interessada por artes (tocava violão, fazia uma ou outra gravura, esboçava os primeiros versos) e pelo social, atividades que serão aprofundadas por Maria Ângela Alvim na juventude, na curta carreira como Assistente Social e na produção literária intensa, haja vista a idade em que morreu.
Seu primeiro trabalho literário, Superfície, foi publicado ainda em vida, aos 24 anos de idade, em Belo Horizonte, pela editora João Calazans, e data de 1951.
De produção intensa, Maria Ângela Alvim encaminhou a publicação de seu segundo livro, Barca do Tempo, em edição artesanal. O trabalho de escrita e encadernação foi, segundo relatos da família, realizado por freiras beneditinas de Belo Horizonte/MG, a pedido da própria poeta. Segundo o irmão, Francisco Alvim, Maria Ângela Alvim tinha muito cuidado e zelo com este material, que passava de mão em mão entre familiares e amigos, os quais o elogiam pela qualidade visual e literária, deixando a poeta orgulhosa.
Postumamente, foram publicadas outras três edições de Poemas, aqui no Brasil, todas com o mesmo conteúdo e seqüenciação de textos (Superfície, Barca do tempo, Outros poemas, Poemas de Agosto e Carta a um cortador de linho). O que difere entre uma e outra é que, ao contrário das edições Fontana (1980) e Unicamp (1993), a edição do Departamento de Imprensa Nacional (1962) não tem fac-símile de cartas da poeta enviadas à família quando de sua primeira viagem a Europa, além de algumas fotos de Maria Ângela Alvim (na infância e juventude, local de nascimento e óbito, entre outras), além disso, a primeira edição de Superfície traz duas gravuras ilustrando dois poemas do livro.
As edições publicadas no exterior aconteceram de modo muito particular. A edição francesa, Poèmes d’août – anthologie poétique8, primeira publicação de Maria Ângela Alvim no exterior, deu-se a partir de Monique Attle, amiga de adolescência de Maria Lúcia Alvim, quando moravam no Rio de Janeiro. Da relação fraternal construída entre as duas e da ligação que  Monique   Attle   manteve  com  a  família  Alvim,  nasceu  a  preocupação  de  Attle  em apresentar, quarenta anos depois, na França, os poemas de Maria Ângela Alvim para os Max de  Carvalho,  de  ascendência brasileira,  mostra  profundo  interesse  pela produção de Maria Ângela Alvim. Esse interesse pela obra da poeta culminou na publicação francesa pela Éditions Arfuyen.
Posteriormente, num trabalho de tradução da obra do poeta português Herberto Hélder, um dos principais nomes da poesia contemporânea portuguesa, para o francês, realizado por Max de Carvalho, este apresenta a obra de Maria Ângela Alvim para Herberto Hélder que de igual modo ao editor demonstra muito interesse pelos escritos da poeta.
Atraído e envolvido pela poesia de Maria Ângela Alvim, Herberto Hélder escreve para família da poeta – especificamente para Maria Lúcia Alvim. Na carta, o poeta português faz alguns comentários sobre a qualidade textual da obra de Maria Ângela Alvim e a importância que dá a ela, conforme pode ser observado no fragmento abaixo extraído da carta: A poesia de sua irmã foi para mim uma revelação, e gostaria muito que o maior número possível de pessoas partilhasse do ganho espiritual que obtive com a leitura dela.
 Após este contato, a família de Maria Ângela Alvim autorizou a publicação da obra dela em Portugal. Superfície – toda poesia, título luso, publicada pela editora Assírio & Alvim, em 2002. Apesar do mesmo sobrenome, segundo Francisco Alvim, a Editora não tem nenhuma ligação com a família. Apenas coincidência de nomes.
Dentre os teóricos que fizeram menção à produção de Maria Ângela Alvim, temos na filóloga e professora de literatura brasileira na Itália, Luciana Stegagno-Picchio9, o principal nome.
Mesmo com um comentário breve, Luciana S. Picchio declara ver em Maria Ângela Alvim um dos nomes que “...poderão, talvez um dia, inserir-se nas malhas do discurso proposto com tamanha autoridade para alterar-lhe a estrutura...”.
Mais recentemente, André Seffrin10, crítico e ensaísta, organizou e prefaciou a obra Roteiro da poesia brasileira – anos 50, pela Editora Global, e inseriu três poemas de Maria Ângela Alvim, sendo: Cassandra (Poemas), De tudo me afastei, por não querença (Ibidem) e Inteira me deixo aqui, (Ibidem). A obra foi lançada no final de 2007.
De forma bem sucinta, temos registrado nessas linhas, os caminhos pelos quais entramos em contato com a obra de Maria Ângela Alvim. Como pode ser observado, uma obra ainda pouco difundida e conhecida do público em geral (pesquisadores, estudantes de Letras, apreciadores de poesia), mas, ao mesmo tempo, de um vigor e substância tal que impressiona alguns dos mais habilidosos fazedores poéticos do Brasil e do exterior, bem como críticos, apreciadores e amantes de poesia. Parafraseando Carlos Drummond de Andrade, antevemos um belo futuro. Ou não será preciso esperar tanto?  
_______________________            
 1MORICONI, Ítalo (org.) Os cem melhores poemas brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
2ALVIM, Maria Ângela. Poemas. Campinas/SP: Editora da Unicamp, 1993. 
3ALVIM, Maria Ângela. Superfície – toda poesia. Lisboa/PT: Assírio & Alvim, 2002.
4ALVIM, Maria Ângela. Superfície.Belo Horizonte: Edições João Calazans, 1950.
5_____. Poemas. Departamento de Imprensa Nacional, 1962.
6_____. Poemas. Rio de Janeiro: Fontana; Brasília: INL, 1980.
7PESSOA, Fernando. Poesias de Fernando Pessoa. Lisboa/PT: Ática, 1952.
8ALVIM, Maria Ângela. Poèmes d’août – anthologie poétique. Paris,FR: Éditions Arfuyen, 2000.
9Luciana Stegagno-Picchio nasceu em Alessandria, Piemonte. Filóloga e professora de literaturas neo-românicas, colaboradora de Roman Jakobson, autora de muitos artigos e ensaios, inicia o seu contato direto com a literatura brasileira, por meio da tradução de Fogo morto, de José Lins do Rego, lançado em 1956 como Fuoco spento. Grande amiga de Murilo Mendes, terá acesso aos grandes nomes da literatura brasileira das últimas décadas. A primeira edição de História da Literatura Portuguesa foi lançada em 1997, pela Editora Nova Aguilar. 

10André Seffrin (1965 - ), nasceu em 1965 em Júlio de Castilho/RS e vive no Rio de Janeiro desde 1987. Crítico e ensaísta, organizou cerca de quinze livros e escreveu dezenas de apresentações, prefácios e ensaios para edições de autores brasileiros como Rubem Braga, Gilberto Amado, Rachel de Queiroz e Carlos Drummond de Andrade.

Um olhar sobre a poética de Maria Ângela Alvim



Isabelle Akemi Diniz Tanji UEMS/CNPq
Danglei de Castro Pereira UEMS/UUCG
RESUMO
O artigo aborda a poética Maria Ângela Alvim no contexto da publicação de seus livros e, ao mesmo tempo, comenta aspectos relevantes em sua produção. Nossa preocupação central foi discutir a poética de Alvim e sua relação com valores estéticos de seu tempo e, nesse percurso, discutir particularidades de sua obra.
Palavras-chave: revisão do cânone, poesia modernista, Maria Ângela Alvin

ABSTRACT
The article approaches poetic Maria Ângela Alvim in the context of the publication of its books and, at the same time, it comments important aspects in its production. Our central concern went discuss to poetic of Alvim and its relationship with aesthetic values of its time and, in that course, to discuss particularities of its work.
keys-words: revision of the canon, modernist poetry, Maria Ângela Alvin

INTRODUÇÃO[1]
Pretendemos neste trabalho discutir a importância de revisitar o cânone literário e, mais especificamente, apresentar a obra de Maria Ângela Alvim. Ao compreender que o percurso canônico, muitas vezes, produz o enquadramento de obras literárias ao conjunto de regras preestabelecidas pelos compêndios literários, a investigação aqui apresentada entra em consonância com a proposta de valorização intrínseca da diversidade de obras dentro da tradição, elemento central dos estudos revisionistas do cânone literário linha teórica a qual esta pesquisa é vinculada.
O principal aspecto metodológico envolvido na pesquisa consiste em abordar a obra de Maria Ângela Alvim, apresentar algumas reflexões sobre a recepção de sua poesia e, por fim, comentar aspectos de sua obra dentro da poesia brasileira. Nesta postura apresentaremos uma discussão critica de alguns poemas de Maria Ângela Alvim, retirados da obra Superfícies único livro publicado em vida pela autora em 1956.
Cabe lembrar, que não pretendemos colocar a autora em discussão em posição de destaque dentro do cânone literário e do Modernismo brasileiro, antes discutir a recepção de sua obra e, neste contexto, apontar para algumas particularidades de sua poesia em um contexto tão rico como foi o da poesia brasileira do século XX.

Vida e Obra de Maria Ângela Alvim

Maria Ângela da Costa Cruz Alvim, nasceu no primeiro dia de janeiro de 1926, na fazenda de Pouso Alegre, Volta Grande, Zona da Mata, Minas Gerais. Filha mais velha de Fausto Figueira Soares Alvim e de Mercedes Costa Cruz Alvim, teve quatro irmãos, Mauricio da Costa Cruz Alvim, Maria Lucia Alvim, Francisco Soares Alvim Neto e Fausto Alvim Junior. Formada pela Universidade Federal de Minas Gerais, na primeira turma de do curso de Assistência Social, foi uma pessoa ligada às dificuldades sócio-econômicas da cidade de Belo Horizonte no inicio do processo de transformação da cidade provinciana em uma metrópole. Em um período de grandes transformações sócio/econômicas Alvim manteve um forte envolvimento com temas sociais e as dificuldades enfrentadas pelos menos favorecidos. Deste envolvimento surge um sentido de incompreensão do mundo, agravado pelo estado de inoperância vivido pelo homem após a eclosão da Grande Guerra Mundial. O sentido de não pertencimento e situação fragmentária do homem pós-guerra surge uma temática recorrente em sua poesia.
Maria Ângela Alvim faleceu em 19 de Outubro de 1959 de uma doença nervosa. Seu livro de estréia foi Superfície publicado em 1956, sendo um dos trabalhos mais conhecidos da autora. Postumamente foram publicados: Barca do Tempo (1950-1955), Poemas (1962), Outros Poemas, Poemas de Agosto (2000) e Carta a um cortador de linho (2000). Ela também teve alguns de seus poemas publicados no livro “Os cem melhores poemas brasileiros do século” (2001).
O acesso do público leitor a sua obra é bem restrito. Um dos motivos do distanciamento é a dificuldade de aquisição dos textos, em sua maioria, publicados em tiragem bem reduzida e de difícil localização. Uma ação importante para minimizar o desconhecimento do público face à obra de Alvim foi a publicação em 1993, pelas mãos de Francisco Alvim, poeta e irmão de Maria Ângela, do livro Poemas que reúne a obra completa da poeta.

Recepção de Maria Ângela Alvim
A obra da autora teve no mento de sua publicação uma boa recepção critica recebendo, inclusive, elogios de Carlos Drummond de Andrade. Depois de sua morte, aconteceu com Maria Ângela o que acontece com muitos poetas, caiu no esquecimento. Como nosso objetivo é comentar a poesia de Maria Ângela Alvim e, posteriormente, tecer comentários sobre algumas das particularidades de sua obra poética procederemos a um breve resumo dos textos críticos publicados sobre a poeta, estes ainda bem reduzidos.
O primeiro texto crítico sobre a obra de Maria Ângela Alvim são os comentários de Carlos Drummond de Andrade e Alexandre Eulálio quando da publicação de Superficies. Drummond (1993), mesmo apontando defeitos no imantes a poesia de Alvim, comenta em sua poesia
uma presença nova e marcante entre os poetas que surgem, e a qualidade especial de uma natureza poética extremamente fina, que sabe selecionar os aspectos da realidade interior e nos oferecer, com sóbria dicção, o resultado da realidade interior e nos oferecer, com sóbria dicção, o resultado último da experiência lírica (DRUMMOND, 1993, p.142)
Nas palavras do poeta mineiro identificamos aspectos importantes para a avaliação da poesia de Maria Ângela Alvim. Um deles é a temática intimista da poeta, o segundo a concisão de sua forma de expressão. De fato a poesia de Maria Ângela é feita por um verso rápido que à forma do haicai japonês filtra a realidade em busca da emoção singular do momento. O mesmo percurso avaliativo podemos identificar em  Alexandre Eulálio (1980) para quem Alvim pratica o exercício do verso e a “agilidade da expressão” ao filtrar o singular e o individual em um universo agressivo como o é a sociedade brasileira ao final dos ano 40 do século XX.

Um olhar sobre Maria Ângela Alvim
Maria Ângela utiliza um verso cromático de forte implicação emotiva, fato que induz a um velocidade rítmica avessa ao contato imediato com a temática concreta do cotidiano. A carência de referentes concretos dá a Alvim uma de suas principais características: a emotividade e a sensibilidade da palavra, modeladas por um sentido sinestésico. Este recurso propõe uma analogia entre som e imagem colaborando para aproximar a poesia de Alvim ao sentido de contiguidade entre o estado de alma do poeta e as poucas referências ao real perceptíveis em sua obra. 
         Percebe-se em sua obra um sentido profundo de tristeza e melancolia em muito presente na poesia da década de 40. Esta melancolia diante do homem e do mundo é uma tônica em seus poemas, fato que representa o desconforto do sujeito no pós-guerra. Um de seus poemas é dedicado à morte dos soldados nos campos de batalha e a compreensão da precariedade da sociedade após a Segunda Grande Guerra.
De tudo me afastei, por não querença
De tudo me afastei, por não querença
ou medo de demais querer a tudo
e de fixar em ócio e inexistência
o móbil ser ideal com que me iludo.

E de tudo herdei minha inocência,
este sentido de não ser, agudo,
vivo mistério e tão mortal ciência
que me aprendeu a ouvir o verso mudo.

A vida não vivi, - hora distante
que nunca se deteve em meu caminho
A imagem vista em ver era bastante.

Mas, se não sei nem mesmo o que devoro,
e me consome a mim, e é sozinho
suor de aurora, poesia, eu fui teu poro.

Neste poema o eu lírico parece impotente diante da vida e das coisas do mundo. Seu filtro é a passagem inerte diante do tempo e a constatação de que na poesia encontra um espaço para a reflexão e o refúgio deste mundo agressor. A poesia é ao mesmo tempo herança e mistério para a compreensão da realidade. Uma posição mais observadora do que realmente vivida o que lhe vale a sensação de vazio, de falta de valor na vida além de matéria de poesia.
Entretanto uma das saídas para este mal estar é a arte, a poesia. Ao produzir este afastamento de forma consciente “De tudo me afastei, por não querença” o eu-lírico valida a transmutação do real imediato em matéria poética e, neste percurso, reorganiza a realidade imediata em matéria poética ao pensar-se como poro, como uma voz silenciosa da angústia da vida.

Inteira me deixo aqui,
inteira, posto que ausente,
- neste corpo que nasci
fez-me a vida ou minha mente?

De ninguém sobrevivi
Ah vida, me fiz consciente,
mestiça de mim, de ti
em morte - quase semente.

E em terra desejo estar
e sempre, enquanto me alerto
nas vozes de vento e mar.

Sem jamais me resolver
a conter-me num deserto
ou saciar-me de morrer.

Neste poema reaparece a busca pelo silêncio do espaço exterior. O silêncio passa a algoz do eu-lírico e a morte física é sublimada pela produção da poesia. É neste mundo de criação que encontramos a metalinguagem como tema recorrente na obra de Alvim. Sua poesia fala no apagamento do real  dentro do processo angustiante da construção poética.
É desta dúvida ou duplicidade que advém a ânsia pelo verso intimista e a aparente abstração do real em sua poesia. A “quase semente” e a presença de “vozes de vento e mar” indicam a busca pelo poético como refugio para o poeta.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Feitos estes comentários, mesmo que superficiais, sobre a poesia de Maria Ângela Alvim pensamos em um poeta que construiu uma obra enigmática. Seu verso intimista e a velocidade de suas imagens são representações de um talento em processo.
Ficam evidentes pontos positivos como a concisão do verso e o cromatismo, porém o estudo direto da poesia de Alvim deve passar pela percepção de uma poesia em muito marcada por um tom altamente lírico, que não prejudica seu verso e aponta para sua relevância enquanto poeta modernista, uma vez que uma das marcas indeléveis do Modernismo é a heterogeneidade.

Referências Bibliográficas
ALVIM, M. A. Superfícies. São Paulo: Record, 1956.
BLOOM, Harold. O cânone ocidental: os livros e a escola do tempo. Tradução Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.
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CALDEIRA, J. O cânone nos estudos Anglo-americanos.Coimbra: 1994.
CANDIDO, A. Formação da literatura brasileira. 3.ed. São Paulo: Cultrix, 2000. v. II.
CANDIDO, A. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. 4.ed. São Paulo: Editora Nacional, 1975.
EULÁLIO, A. Notícias literárias. Minas Gerais, 8 de abril de 1980.
FRANCHETTI, P. O cânone em língua portuguesa. Revista Voz lusíada, N 18, 2 semestre de 2002. São Paulo, p. 56-68.
KOTHE, F. O cânone colonial. Brasília: EUNB, 1999.
LAUTER, P. Canons and Contexts. Oxford: Oford Universite Pren Demand, 1991.
PAZ, Octavio. Os filhos do barro: do romantismo à vanguarda. Tradução de Olga Savary. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 1984.
ROSENFELD, A. Texto/contexto I. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1976.
SAID, E. Culture et imperialisme. Paris: Fayard, 2000.


[1] O trabalho é resultado de uma pesquisa em nível de iniciação científica desenvolvida pela acadêmica Isabelle Akemi Diniz Tanji, com apoio do CNPq, na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Unidade Universitária de Campo Grande, sob orientação do Prof. Danglei de Castro Pereira, no período de agosto de 2009 a agosto de 2010.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

ENTREVISTA COM FRANCISCO ALVIM


ENTREVISTA CONCEDIDA POR FRANCISCO ALVIM, EM 23 DE JUNHO de 2007, EM BRASíLIA/DF, COMO PARTE INTEGRANTE DE PESQUISA DE CAMPO MESTRADO – UFMS – SOBRE A POETA MARIA ÂNGELA ALVIM. ENTREVISTADOR: mestrando Antonio Luceni dos Santos, sob orientação do Prof. Dr. José Batista de Sales.


Como ocorreu a aproximação de Ângela Alvim com a literatura?

Eu não saberia dar uma resposta muito precisa com respeito a esta pergunta porque eu não a acompanhei... a diferença de idade entre  mim e a Ângela é considerável; ela é a mais velha dos cinco irmãos, são onze anos de diferença. Então, quando eu percebo Ângela como uma escritora, como uma pessoa de expressão, é exatamente quando ela publica o Superfície... eu estava com doze, treze anos, por aí. Eu não tinha próprio, a literatura pra mim não existia, mas a publicação de Superfície foi muito comentada na família, e eu comecei, então, a ficar atento àquela dimensão da vida de minha irmã, aquela dimensão literária, que eu também não situava direito porque me faltava qualquer tipo de formação ou indicação literária nessa fase da minha vida. Mas eu fiquei muito impressionado com o que eu vi em casa a respeito do lançamento, e me lembro perfeitamente que foi até, expressamente eu soube que o livro tinha sido lançado numa papelaria-livraria que, nessa época, em Belo Horizonte tinha grande projeção na avenida Afonso Pena, que era Oscar Nicolai... eu tinha me esquecido por completo e foi justamente com sua vinda aqui esse nome me veio de repente, um nome que eu já procurei na memória e não tinha encontrado e foi esse nosso encontro que possibilitou essa recuperação do nome, Oscar Nicolai. Bom, e tinha uma vitrine inteira de Superfície, aquilo me impressionou seriamente e foi a primeira revelação de Ângela como literata. Agora, o que a cercou, as pessoas, a amizade, a formação dela, de onde surge esse interesse pela literatura, eu sei que neste período, por exemplo, nós estamos falando dos anos 50 (51,52...), a geração dominante era a 45... eu me lembro vagamente, até, da presença, lá em casa... nós morávamos na rua Rio Grande do Sul, no bairro de Lurdes, em Belo Horizonte, que era um bairro, naquele época recente, hoje é quase periférico, mas eu me lembro da presença (não sei se é uma lembrança meio fantasiosa...), a presença de Bueno da Rivera. O nome “Bueno da Rivera” me impressionou, quer dizer, é um nome raro, de conotações espanholas, possivelmente... eu tenho uma vaga idéia que ele freqüentou... que era amigo de Ângela. E o Bueno, depois, no correr dos anos, eu fui ver, é um poeta interessantíssimo, um grande poeta... e pouco conhecido, pouco divulgado, pouco difundido e, agora, praticamente esquecido, mas é um poeta expressivo da literatura, eu não diria apenas mineira, mas brasileira... eu fui ver isso depois e me deu uma impressão muito forte. E dessa época tinha lá o Emilio Moura que possivelmente ela conhecesse, não sei... não tenho referência se ela o conhecia, tinha Henriqueta Lisboa... tinha um meio literário... tinha o Fritz Teixeira de Sales, esse eu me lembro que ela se referia, era amiga, conhecia e tudo mais... Quer dizer, a Ângela tinha uma relação com o meio intelectual e artístico de Belo Horizonte, no meio literário... eu não me lembro de referências de pintura dela... eu sei que Guignard nesse período tinha uma escola que era até lá, no jardim público de Belo Horizonte, uma escola de pintura, e formava jovens pintores... é possível que ela tenha tido, já que ela tem essa sensibilidade plástica que a gente vê nas cartas, os desenhos e tudo mais... gostava muito de fazer, aprendia essas letras... iluminuras! e a caligrafia.

Como era a relação de Ângela com a escrita? Ansiosa, truncada, angustiante... tinha uma rotina de escrita?

Na seqüência do que conversamos antes, eu não me lembro de ver Ângela, nunca, também mais tarde, até quando eu já tinha sofrido bastante influência dela, porque a influência dela na minha própria descoberta da literatura... eu descobri a literatura através de Ângela... já tardiamente no convívio com ela, com mais idade, já na minha primeira mocidade, dezessete, dezoito anos... eu nunca me lembra dela sentada numa mesa, fazendo poesia, nunca... não tenho essa idéia... quer dizer, a maneira, a composição... aí ela já estava morando conosco... é verdade que a saúde dela já estava muito abalada, mas eu não me lembro dela concentrada... talvez, a não ser... não tenho a lembrança dela trabalhando, mas certamente, eu cruzava com ela no apartamento, e ela devia estar trabalhando, e eu devia ter visto ela trabalhando no nosso apartamento em Laranjeiras, lá da General Glicério... trabalhando no texto da Carta ao cortador de linho, do qual tenho esse orgulho, no fundo, de ter sido a pessoa que a animou, a incentivou a escrever o texto, porque havia um concurso, ela já estava bastante doente, eu achava que era uma atividade que podia, de alguma maneira, contribuir para o bem-estar dela, não é?... Além do que, tinha mais do que isso, não era apenas uma percepção, disto eu estou seguro, porque a poesia dela, quando se revelou pra mim, se revelou como uma totalidade, quer dizer, a percepção que eu tive da poesia dela, e da importância, e da grandeza da poesia dela, me chegou de chofre, e eu sabia que ela ia escrever uma coisa extraordinária, eu tinha certeza disso. E não era apenas essa primeira preocupação do bem-estar, de ocupá-la, vamos dizer assim... era certeza de que dali sairia uma obra-prima, como de fato saiu. Angústia, propriamente, eu não senti nunca. Ela tinha uma atitude, ela era uma pessoa... não que se achasse, ou que se vangloriasse, ou que se colocasse numa posição de poeta, essa mítica do poeta como um ser de exceção, nunca senti em Ângela... ela era uma pessoa de exceção, mas por ser quem era, quer dizer, uma pessoa humana, de uma dimensão humana fora do comum, era uma pessoa de uma sensibilidade que você sentia, mas ela não se apoiava sobre isso. Inclusive por conta, eu acredito, do compromisso social que ela teve, no sentido do trabalho, e a percepção da importância do trabalho, do trabalho que ela fazia.

Ela falava em publicar ou simplesmente produzir, escrever...?

A maneira como ela chegou a publicar Superfície, nos seus vinte e poucos anos, eu não acompanhei, como disse, porque se insere naquele contexto anterior: muito menino, interesse por futebol, aquelas coisas todas... mas eu também me lembro, vagamente, da presença do editor, João Calazans, que foi quem a editou. A elaboração dos poemas eu não sei, não tenho referências maiores... Lucinha, seguramente, vai poder lhe dizer muito mais coisas a respeito disso e de muitas outras coisas que eu estou falando. Mas, depois que ela publicou Superfície, e eu já estou falando de um período, também, da minha vida e de nossas relações que é esse que vem logo em seguida, eu já mocinho e já com a revelação da literatura que peguei através dela e, sobretudo, da poesia, eu me lembro dela trabalhando o segundo livro e das repercussões, realmente, que Superfície tinha provocado, não é?

Barca do tempo...?

Exatamente... Barca do tempo. Eu me lembro que ela fez uma edição muito bonita desse livro, com os poemas dela que eram muito diferentes, distintos dos de Superfície. Superfície eram poemas minimalistas, de certa forma... não o minimalismo que viria depois e que o irmão, inclusive, aproveitaria... mas eu acho que ela teve um papel nisso, inclusive na procura de uma poesia condensada... E na minha própria poesia eu senti essa presença dela, sobretudo nos poemas menores, no Sol dos cegos. Era uma poesia minimalista, mas essencial, de essencialidades. E Barca do tempo ela já trabalhava o soneto, trabalhava formas fixas e no fluxo daquela, eu acredito, de uma... adorava, o grande poeta pra ela, o poeta que era uma presença permanente, uma referência permanente era Rilke. Ela tinha adoração por Rilke. Aí, os poemas dela desse período eram poemas... e também Drummond, naturalmente, no período Claro enigma, quer dizer, já era uma evolução da poesia brasileira, no sentido diferente daquele primeiro do Superfície. Ela trabalhava este livro, que era um livro que tinha um lado, vamos dizer assim, de objeto, que ela dava uma atenção extrema. Este livro passeava pela casa, de um papel meio apergaminhado, uma capa dura, que você tirava através de uns parafusinhos... com os recursos da época que... nós estamos falando dos anos 50, recursos gráficos da época que não eram os de hoje. Então, era um livro muito elaborado... não eram poemas datilografados, eram naquela caligrafia de quem tinha aprendido... e este objeto, vamos dizer assim, eu acompanhava... e a preocupação de que, de vez em quando, ela tinha que abrir aquilo tudo porque surgia um poema novo. E isso ela nunca publicou.

Então, você já via nisso, nesse exercício uma intenção de publicar...?

Ah, sim! Permanente. Eu nunca notei em Ângela, a não ser uma vez que... ela já bastante doente, uma coisa que me impressionou, e ficou pra sempre gravado, entre muitas coisas que ocorreram na minha vida com ela...ela me estimulou muito, como eu lhe disse, foi ela que me conduziu...  eu conto um pouco porque tem a ver um pouco com a própria maneira dela encarar a poesia... ela me animou muito. Ela tinha uma agendazinha pequena, alemã... (eu já contei isso em algumas oportunidades...) uma agenda alemã, muito bonitinha, e eu achei tão bonita que eu a roubei. Eu era menino... nessa época, um menino meio troncudo... eu devia ter uns treze anos, por aí... quatorze. E aí eu comecei a imitá-la, escrever uns poemas, imitando ela... Foi a primeira manifestação da admiração... eu já tinha lido Superfície, e aquele universo literário que era, até então, inteiramente vedado, começou a se abrir pra mim, mas sem eu dizer isso a ela. Ela me perguntou muito se a tinha visto, perguntou a família toda... e eu escondendo a agenda. Um belo dia, ela descobriu nos meus guardados, ela resolveu... (risos), e foi lá e estava lá a agenda. Ao invés dela ficar furiosa, ela tinha o gênio forte, ela podia ficar, realmente, muito brava, embora ela fosse uma pessoa de uma mansidão absoluta, mas tinha essas reações de um temperamento forte... ao invés dela, enfim, me censurar, ela falou: “Olha, eu gostei muito! Gostei muito de suas coisas... eu vou te dar de presente essa agenda.” Ela me incentivou neste sentido, mas quando ela adoeceu bem, eu me lembro, um dia ela me abraçou no corredor, ela falou assim: “Deixa a poesia... isso só traz sofrimento.” Foi a única vez que eu vi... disse algo aproximado, enfim, não terá sido exatamente isso, mas com uma intensidade muito forte.

Ângela, conforme a gente observa, foi uma pessoa muito engajada, sobretudo no período em que ela exerceu as funções de poeta, assistente social etc. Você acha que, de alguma forma, estas coisas todas tiveram participação na poesia de Ângela Alvim?

Esta questão, realmente, é uma questão muito rica. Eu acho o seguinte... esta experiência social dela, que eu também... eu tenho sempre que fazer essa reserva pela diferença de idade, essas coisas todas..., mas ela foi me chegando aos poucos, a consciência mais ampla do que terá sido, do que poderá ter sido essa vivência social de Ângela. Que também se liga, de alguma maneira a experiência religiosa dela e a literária. Mas a minha tendência é achar que estes três universos não se comunicam, ou se se comunicam, se comunicam tangencialmente, como uma espécie de sombra, que um projeta sobre o outro, mas não de uma maneira direta; Ângela não é um poeta realista e não é um poeta, a meu ver, religioso, embora ela seja uma poeta metafísica. Mas é uma complicação... é uma poesia de uma complexidade, eu acho que, sob muitos aspectos, inédita no quadro brasileiro. É de uma densidade... que ela tem esses universos, quer dizer, que a vida e a experiência dela como ser, mas que se tangenciam e que não se interpenetram, vamos dizer assim. E, ao mesmo tempo, a sombra é uma interpenetração sutil, uma luminosidade que está solta pelos três planos. O interesse social dela era enorme... eu fui me dando conta, também, no correr do tempo, porque eu próprio, a minha consciência dessa problemática social chegou muitos anos depois, e ela viveu isso no plano profissional, como assistente social... acho que a primeira turma de assistente social no Brasil, ela estava nessa primeira turma. E eu me lembro da compaixão de Ângela... isso aí entra esse plano, justamente, religioso, que eu tenho a impressão... um pouco a projeção da sombra da religiosidade dela na compaixão em vários episódios que eu vivi com ela, quando garoto... por exemplo, de um menininho que ela levava para o nosso meio e que ia vender uns docinhos e lá, entre as crianças da rua Rio Grande do Sul e que ela comprava, ela pagava aqueles doces... ela não distribuía os doces porque ela deixava o menino vender, fazer o trabalhinho dele...

Trabalho social e não assistencialista...

Social e não assistencialista... ele vendia os doces, mas de qualquer forma ele não levava prejuízo, se não conseguisse vender... e aquela maldade infantil... às vezes a gente tirava o doce dele, aquelas coisas... a criança como ser perverso, de Freud (risos). Mas é isso... Havia a cidade de Hosanã, aquela cidade de órfãs, em que ela ia constantemente, e ela me levava... Eu me lembro de ela ter me levado expressamente pra conhecer aquela humanidade. E a Ismênia, que foi uma empregada, e que eu fiquei com uma memória dessa organização, da cidade de Hosanã, que era um casarão fora um pouco de Belo Horizonte, na periferia de Belo Horizonte... e a Ismênia sofria de um mal no fígado, tinha o fígado realmente muito doente, então ela tinha uma cor horrível, e era uma pessoa jovem, mas com aparência de velha, e foi nossa empregada durante muito tempo. E o humor da Ismênia, o sofrimento da Ismênia, era uma coisa que eu vi e convivi... ela trouxe pra dentro de casa... e a compaixão de Ângela o tempo todo, a preocupação com a Ismênia. Ela tirou a Ismênia daquele lugar, mais doente, possivelmente, pra um ambiente melhor e que, evidentemente, ela deve ter se beneficiado disso. Eu me lembro, vagamente, que ela não resistiu... Esses são dois episódios da minha infância, dos meus onze anos, dez anos. Depois, eu fui me dando conta do trabalho dela, me lembro do Pierre Lebret almoçando lá em casa, numas visitas que ele terá feito ao Brasil e a ligação dela com os dominicanos, com o Économie e Humanisme, com D. Timóteo, já num outro plano, acho que aí já é um plano mais transcendente, religioso... mas esse interesse social era bastante pronunciado, não é?... e a Simone Weil, um dos livros livros da Simone Weil que eu vi... ela tinha poucos livros, eu me lembro, ficava em cima da caminha dela... ela dividia o quarto no nosso apartamento da João Glicério com a Lucinha, eu me lembro da estantezinha dela, não tinha muitas coisas... tinha Rilke, tinha Simone Weil, tinham uns poucos livros... Américo Foucault, Poesia Perdida, tinha uns poetas, assim, que ela gostava...

Josué de Castro, sociólogo...

Josué de Castro... ela era ligada ao Josué de Castro, ela falava muito do Josué de Castro, conhecia... Ângela procurava os intelectuais, ela tinha, assim, uma capacidade de convívio... são poucos os nomes que eu conheço, mas certamente ela procurou muita gente... Drummond, se aproximou com aquela magnífica crônica que ele escreve... quando surge Superfície, uns seis meses depois surge uma apreciação crítica assinada por “Y” no Suplemento Literário do Estado de Minas, falando da jovem poetisa e fala... é um artigo suis nep, ele percebe tudo... ele percebe a evolução dela, ele percebe a originalidade... não propriamente a originalidade, a natureza profundamente tácita da poesia...



É o texto trazido na edição da Unicamp...

É, da Unicamp... está lá. Ângela tem uma fortuna crítica palpérrima. Uma poesia tão rica com uma pobreza de fortuna crítica. O que, aliás, fica muito bem aos verdadeiros poetas... (risos). Palpérrima, mas ao mesmo tempo de uma qualidade, de um quilate porque tem esse ensaio do Drummond que é, eu acho, admirável, umas duas ou três páginas, mas que ele percebe e distingue a grandeza da poesia dela, logo... e tem um ensaio admirável, também, do Alexandre Eulálio. Eu acho que são duas peças formidáveis.

Você acha que estas questões todas, somadas ao agravamento da doença dela, vão parar em seus poemas ou não, isto não é mote para ela escrever?

Eu acho que uma dominante de Ângela, que dá uma força extraordinária à poesia dela...

Digo isto porque Poemas de Agosto têm a ver com o período de agravamento da doença dela...

Tem... são poemas que ela fez em pleno... e que é uma coisa extraordinária, porque nós conversamos muito, ela muito doente no período, ela conversou comigo e com grande lucidez, e deixou, inclusive, um bilhete pra mim, embora eu, enfim, aí um parêntese... ela me fez “testamenteiro” dela, literário, vamos dizer assim... Então, ela deixou toda obra dela... mas eu não tinha nenhuma capacidade de organização nem de vida nem de... tinha um interesse imenso e uma culpa colossal porque não conseguia tratar com aquele material como devia. E a minha irmã, Maria Lúcia, que fez um trabalho formidável... Lucinha tinha uma atividade, uma capacidade de realizar coisas muito grande, então ela pegou e fez a primeira edição com o Ministério da Educação, levou esse material todo e... Na realidade, quem fez o trabalho que eu devia ter feito e que Ângela achou que eu seria capaz e, por isso, deixou comigo, foi Lucinha. Ela fez as duas edições. A terceira já é um interesse pela própria poesia que transcende a família, veio da Unicamp. Mas as duas primeiras edições que circularam de Ângela, que levaram à terceira, certamente, se deve à Lucinha. Enfim, a questão da doença... ela deixou esse bilhete pra mim, dizendo o seguinte: “Olha, os Poemas de agosto...”, que ela fez durante o período de tratamento e isolamento dela, ganhariam muito se fossem... se os elementos circunstanciais..., se a gente conseguisse eliminar, se eu conseguisse, se eu tivesse conseguido eliminar os elementos circunstanciais. Eu não sei ao que ela... ao mesmo tempo sei e não sei ao que ela se refere, porque são poemas de uma meditação, de uma força, de um estranhamento, de uma realidade... da realidade profunda da poesia dela, que é uma poesia dominada pelo sentido de vida e morte, é uma coisa que está nesse plano. O tempo todo esse sentido da finitude, de estranhamento da vida, de certezas transcendentes, de visões, quase, transcendentes... ela não é uma visionária, mas é de uma força de abstração, de captação de um mundo que está além das aparências, vamos dizer assim... de um nervo profundo, de um magma... é o que dá uma metafísica concreta, uma metafísica que não se explica por nenhum outro, e aí eu acho que é uma poesia, até numa certa pedida, antirreligiosa, num certo sentido... ela não transmite nenhuma crença, a não ser em poucos poemas, mas mesmo naquela fase de circunstância: natal,... tem uns poemas assim, mas a coisa da finitude da matéria, é uma poesia, é uma metafísica materializada. Enfim, eu acho que a doença, nisso, operou um sentido progressivo, numa consciência dessa, porque uma pessoa conviver com essa ordem de complexidade eu acho que não é... a vida é uma doença (risos), é uma realidade para todos nós. Mas uma pessoa com a consistência de Ângela e com... não é projeto, poeta não tem projeto, mas com a vida e a percepção dela, eu acho que a doença é um dado de conhecimento, é um dado permanente de convívio, pelo menos... mesmo ela não-doente, vamos dizer assim, no período em que ela não estava clinicamente doente, eu acho que você pode encontrar ali o elemento não propriamente da doença, mas do que a doença representa como estranhamento da vida, como distanciamento da vida, como indagação de coisas que, de certa maneira, têm não-têm a ver com a vida. Que dizer, é uma poesia cheia de paradoxos, cheia de contradições, de tensões, de nervos, uma fibrilatura muito intensa.

Como era a convivência numa família de poetas? Havia muito “ciúmes”?

De fato é uma coisa interessante porque é uma família... os Alvim são uma família de fazendeiros; a primeira geração que se urbaniza, origem que eu falo é ali por Ubá, Zona da Mata Mineira, por ali é que nós surgimos... naquela região do Paraíba, Vale do Café, da produção do café... meus avós paternos tinham fazendas ali, então, eu não falo da família de minha mãe que é uma outra vertente... eles são de Belo Horizonte, Costa Cruz, é uma outra gente, já urbanizada há muitas gerações. Então, uma família que, de certa maneira, com curiosidades intelectuais e tudo mais no tempo... Eu acho que Ângela exerceu uma liderança extraordinária na família. Todos, de certa maneira, todos nós fomos contaminados, ou diretamente, ou uns contaminaram os outros por ela. Lucinha pegou o lado plástico, possivelmente ela lhe dirá melhor do que eu como é que foi esse convívio, se é que ela reconhece que Ângela tenha tido alguma influência sobre ela direto nesse plano na revelação da parte da criação. E Lucinha descobre papai, Lucinha é que puxa papai, já mais velho, ele começa por volta dos quarenta e poucos anos, quarenta e cinco anos, a fazer umas máscaras, a brincar com miolo de pão e os personagens..., era um homem com uma capacidade, uma fabulação, uma imaginação fulgurante e muito observador, muito irônico, uma prosa deliciosa, um coser formidável, então ele fazia esses trabalhinhos das massas pensando nos personagens que ele tinha conhecido nas fazendas, na vida dele de fazenda, ele administrou durante muitos anos as fazendas do meu avô, depois foi prefeito de Araxá... um homem com uma vida, uma riqueza de experiência muito grande, então ele compunha esses tipos com miolo de pão. Lucinha foi percebendo, já interessada em artes plásticas, muito jovem também, foi puxando e tirou de papai, levou, deu uma massa, aquela massa de brincadeira de menino, ele começou fazer aquilo dentro de umas caixinhas formidáveis, com aqueles tipos todos... (eu não sei por onde é que andam essas caixinhas...), depois passou para erva de passarinho, que há nas goiabeiras... as ervas de passarinho provocam aquelas florescências, então o pessoal fazia uns galos, e Lucinha sempre estimulando, trazendo... até que ele chega a madeira. E no meu caso, Ângela levou através disso, eu já contei um pouco essa experiência, nossa iniciação literária. Depois Lucinha, um pouco mais tarde, ela pega essa veia da poesia, começa a trabalhar com a poesia.

Sempre uma relação de generosidade, colaboração...

Sempre, sempre... Era de uma admiração. Ângela despertava entre nós uma admiração muito grande. Maurício, se você tiver oportunidade também de falar com ele, uma pessoa extraordinária e com uma relação muito peculiar. Ângela era grande companheira dele na primeira infância. A diferença de idade não chega a um ano. Ele nasceu nove meses exatos depois que mamãe teve Ângela, se acompanharam a vida inteira. E Faustinho acaba, também, tardiamente.... Faustinho a cabeça era mais de um cientista, ele era matemático, tutor... de uma inteligência fulgurante, os amigos reconhecem, falam até hoje, a repercussão que tinha no meio acadêmico aqui, em vários lugares por onde ele andou, porque era um interesse intelectual inesgotável: psicanálise, literatura... e acaba fazendo, também, um trabalho literário interessantíssimo, muito bonito... tem poemas realmente formidáveis dele que chega... a revelação da poesia pra ele, chega ele já maduro, mais de... enfim, já homem feito. Ele faz uns poemas muito bonitos.

Como o irmão e literato Francisco Alvim encara o trabalho da irmã? Sente-se na missão de divulgá-lo? A família pensa nisso?

Eu particularmente, claro,.. sim. Sempre que eu pude, falei, procurei..., não fiz o que devia, quer dizer, tenho, também, uma dívida com relação a ela, absolutamente impagável, porque ela me deu tudo, literariamente, e recebeu muito pouco de mim. Por circunstâncias de vida. Primeiro, porque... por uma série de coisas... a minha vida não foi uma vida organizada, eu tive várias coisas, embora aparentemente... entrei em diplomacia... essas coisas todas... mas as minhas limitações... enfim, o meu itinerário foi um itinerário complicado e eu não soube me organizar, minha formação é uma formação muito desequilibrada, não é sistemática, e eu não tenho, nunca desenvolvi um trabalho, sempre reagi às minhas provocações nesse sentido foram sempre reativas mais do que pró-ativas, vamos dizer assim. Então, de certa maneira também as circunstâncias de vida me ajudaram. Primeiro, por ter tido uma irmã que tive. Depois, amigos... e isso de uma certa projeção no meu trabalho, e aí me pediram artigos, me pediram coisas, e eu fui respondendo às obrigações, aquilo tudo visto como uma obrigação e uma dificuldade grande para escrever qualquer coisa, coisa com coisa, pela falta justamente da disciplina, de uma procura sistemática. A poesia comigo acontece, se é que acontece, de uma maneira muito anárquica e pouco programada. Isto tudo se reflete nessa pobreza da minha contribuição com relação a Ângela. Eu procuro compensar, de certa maneira, na própria poesia. Primeiro, na presença de Ângela na minha poesia que eu acho que é visível. Quer dizer, tem uma parte ali que de certa maneira eu dou continuidade... dou continuidade não, eu participo da voz dela. Ela me “engole”, vamos dizer assim. Essa é uma contribuição que eu tenho certeza que é onde eu poderia... Alguns poemas mais diretos. Volta e meia ela aparece nos meus versos. Hoje mesmo eu estava vendo um que eu nem assinalei... Em geral eu assinava. Tem um poema em Passatempo que eu falo do amor e eu tiro uma frase do... o título é amor...

Do Cortador de linho...

É... do Cortador de linho...“o amor é água”, é uma coisa assim. Esse outro aparece no Elefante, que é assim: “aventura humana e dura”, é um verso dela; eu não pus que era porque eu achava que interferiria e não podia; é um assalto e que as pessoas descubram que é um assalto. Mas são sinais... mas não é esse sinal que é importante. É a presença que é muito forte. É muito forte e está, talvez, até além da poesia. É uma revelação que vai além, tem a ver com esse mundo que é pré-palavra, que a poesia dela traz. É uma voz do silêncio, uma coisa que tem a ver com a natureza humana profunda.

O Alexandre Eulálio que propõe isso, não é? Ela fala no silêncio...

Que é uma coisa que é quase... é uma coisa profunda, não é literatura. É uma coisa do mistério, ou do enigma, ou dessas palavras que não significam nada na vida... uma coisa que é anterior à escrita.

Haveria uma trilha na poesia brasileira que poderia ser atribuída a Ângela ou uma trilha onde Ângela pudesse ser encaixada?

Bom, tudo é “encaixável”, sobretudo no estudo, e eu acho que isso é uma tendência geral da crítica, é um pouco do trabalho, é uma das dimensões da crítica, não é exclusiva, existem outras dimensões da crítica literária, mas uma das dimensões da crítica é exatamente classificar, procurar o sentido de contigüidade e continuidade, os estilos, é claro que isso tem a contrapartida que você pode encontrar neste tipo de tendência da crítica, também, do que há de reducionismo, porque aí você está sempre preocupado em colocar as pessoas dentro de um grupo, e poesia, então, isso é muito freqüente mais do que em prosa até, talvez. Estilos de época, essas coisas... mas também tem uma verdade, reduzem o poeta. Não há sombra de dúvida que todos viram uma espécie... tudo é pasteurizado, vira tudo uma... você entende a época, mas não entende a voz do poeta, que desaparece, muitas vezes, neste tipo de abordagem. Mas é inevitável e é muito útil. Porque ninguém escreve no vazio, claro. Embora também se escreva profundamente cada poesia, cada poesia inaugural, auroral, que tenha a força da poesia, inevitavelmente se escreve no vazio. Quando você vê um poeta como Rimbaud, como Baudelaire, como Ângela... você sente a invisibilidade, a novidade... é uma língua quase que adâmica, ela se surge, isso tem na poesia de extraordinário, ela surge e morre em cada instante, em cada palavra. Nós não estamos falando dentro desse plano, estamos falando do outro, da contigüidade. Acho que ela escreve dentro do contexto da geração... Que que tinha? Tinha a Geração de 45, mas nela eu sinto uma força e um nervo que eu não vejo nos poetas, ou pelo menos, que a distingue... é um estilo mais denso, um nervo mais intencionado, uma experiência de vida que não é ornamental, não é epifânica, não é exultante, ou mesmo esteticamente... que você sente em tantos poetas daquela geração: uma poesia conquistada, uma poesia de gente que manipula o verso, a técnica... Ângela você sente, embora ela seja, tenha sonetos admiráveis na forma, na coisa... a dificuldade da... você sente que é uma linguagem que não tem facilidade nenhuma, que é uma procura constante, é tétrica...
Experimental, quase...

É quase experimental, é quase, num certo sentido, embora não seja uma poeta concreta, é uma poesia de uma “concreção” absoluta, muito maior e de uma abstração equivalente. Quer dizer, é o tal paradoxo, as forças do paradoxo, não é? Então ela tem... mas sem dúvida muito do clima daquela geração que estava em Drummond, que estava em Rilke, era uma geração que lia profundamente Rilke, gostava de Rilke... e ela deve ter percebido. E com poetas, eu dizia agora pouco, como Bueno da Riviera que se distinguiam, também, pela força da... que não se confundiam com aquele estilo mais aparente. Eu acho que ela se cria um pouco nesse ambiente.

Buscando reunir a fortuna crítica de Ângela, percebe-se que sua produção rompeu as fronteiras do Brasil. Sua obra já foi publicada na França, em Portugal e, ao mesmo tempo, o país não conhece Ângela Alvim. O brasileiro não conhece o Brasil?

É verdade. São coisas que a gente não sabe direito como explicar. Eu, por exemplo, que viajei... muitas pessoas não... muitas pessoas eu não diria, o pouco público que Ângela ainda... pode até pensar, ligando ao irmão, achando que há uma atuação qualquer que eu tenha tido nas minhas viagens, meus contatos... e não tem nada a ver, eu nunca... eu tive pouquíssimos contatos no exterior com poetas, com poesia em geral e lamento, aliás, de não ter tido oportunidade ou não ter sabido aproveitar as oportunidades, porque eu poderia ter... enfim... Então são coisas que a poesia dela  que foi despertando núcleos de interesse que extrapolavam as nossas, como você disse, as nossas fronteiras. Esses caminhos são curiosos porque eu teria muita curiosidade em saber como é que essas... às vezes eu sei, mas ou menos porque... uma vez eu estava lá, naquele último ano Brasil-França, um ano literário e aí me convidaram pra fazer parte da delegação brasileira e eu estava lá, numa conferência na Casa da América Latina, um grupo de poetas brasileiros, e eu entre eles, e aí uma pergunta, um cidadão francês perguntou: “Você, por acaso, é parente da Maria Ângela Alvim?”... depois eu procurei desesperadamente este sujeito, num intervalo lá que houve, pra ver se identificava quem era, ninguém soube me dizer, o sujeito desapareceu. Quer dizer, são coisas que acontecem, não é? O Max de Carvalho que fez as traduções que,xtremamente carinhosa açao çoes,eceu. em era, ninguem ntervalo l,, s  são admiráveis, são muito bonitas... é um livro cuidadosíssimo, com uma apresentação extremamente carinhosa, extremamente competente, bem organizado e muito bem introduzido. Ele e a Magali, a mulher dele, que fizeram a tradução, é uma coisa estupenda. Este livro vai bater nas mãos do Herberto Hélder, em Portugal, e com o prestígio do Herberto Hélder, e com o interesse que se tomou pela poesia de Ângela, ele fez a edição portuguesa.

Hélder foi o grande motivador da poesia de Ângela em Portugal?

Eu nunca travei, com pesar, outra coisa, lógico que eu poderia ter agradecido e não agradeci, por conta da... enfim... não sei os detalhes, mas até onde eu sei a coisa se passou desse modo. Então, os livros têm os seus caminhos. Tem um amigo meu que dizia sempre: “Olha, o que é bom acaba aparecendo, não se preocupe.”. Eu acho... às vezes eu finjo que acredito nisso. Eu acho que tem um lado de destruição na vida que às vezes acaba com os poetas também. (risos)

Uma vida curta e intensa. Você considera que, mesmo em pouco tempo de produção, Ângela Alvim produziu a matriz do seu trabalho, isto é, se estivesse viva, toda sua produção seria um desdobramento do que deixou?

Isso é difícil de responder porque isso não aconteceu, simplesmente. O que aconteceu é que ela viveu trinta e três anos e deixou aquela obra que é, como diz o José Guilherme, curta mas com músculo extraordinário... ele diz algo de parecido numa apreciação que fez dela. Zé Guilherme gostava demais, José Guilherme Melquior, da poesia dela. Eu não sei, quer dizer, eu não sei o que seria se Ângela tivesse vivido, sobrevivido à doença e o que isso representaria no plano da literatura dela, como escritora.

Mas você vê no trabalho dela uma semente que pudesse vir a ser uma árvore?

Sem dúvida. Eu acho que ela tem uma obra absolutamente consistente. Exatamente, por exemplo, Rimbaud em três anos faz o que fez e você não olha aquilo... não quer mais nada. Na realidade aquilo não lhe preenche inteiramente, pra quem tem ouvido pra poesia, não pede mais nada, quer dizer, não quer continuidade nenhuma, está tudo ali.

Na sua opinião, por que é importante ler Maria Ângela Alvim? Por que Ângela Alvim deve estar nas prateleiras de bibliotecas, livrarias, academias de letras, bancos escolares...?

Muito simples. Muito, muito simples. Muito curto: porque é um poeta.